A minha escola fica<br>a hora e meia de autocarro
Uma escola que deixa de o ser, que fecha as portas para não mais ser escola, é uma coisa que dói. Mesmo que tudo justifique o seu encerramento, que aquele prédio que foi escola não tenha, já, razão de existir como tal. Porque uma escola pressupõe alunos e, se não os houver, não há nada ali que possa justificar o denominativo, escola, sala vazia com um professor a fazer palavras cruzadas, isto é, a não poder, mesmo querendo, sendo professor, ser professor ali, pronto, fecha-se a escola. Mas, mesmo assim, dói.
Era em Caselas, bairro da periferia de Lisboa, casa de ensino e aprendizagem, dividida ao meio para que rapazes, de um lado, e meninas, do outro, aprendessem o início da decifração de letras aglutinadas e números envolvidos em operações de somar, subtrair, multiplicar ou dividir, excelente descoberta essa, ora não é que b+a é bá e 3 x 9, 27? Olha um mundo novo com letras de ler e números de contar ali, aqui mesmo à nossa disposição, admirável mundo novo este, obrigado D. Celeste ou D. Lúcia, mais prazenteira uma, durona a outra, vai-se a ver e passámos de classe, só dois erros no ditado e a descoberta da importância das letras e dos dígitos era fascinante.
Suponho que o que se passou comigo se tenha passado, e continue a passar-se, com todos os putos e miúdas do básico, a primária dos meus tempos de criança, dias de descoberta e de elevação. Socorro-me, para alicerçar o que digo, das palavras do Armando Baptista-Bastos, numa belíssima crónica intiulada «A Minha Escola Pública»: «Ah, D. Odete, como me lembro de si, da sua beleza mítica, da suavidade da sua voz, a ensinar-nos que o verbo amar é transitivo!».
E agora, de sopetão, sai a notícia do fecho de 311 escolas. Trezentas e onze! Pensa-se, primeiro, que a coisa foi ponderada, não se fecham 311 escolas por dá cá aquela palha, há-de haver razões. Porém, passamos a saber que o acordo entre o Governo e as autarquias só foi consumado em 67,5 por cento dos casos. Manuel Machado, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses diz que «é inadmissível a forma como as coisas estão a ser feitas». E a perplexidade de alguns é incontornável: «Será mesmo verdade que os nosso filhos aprendem melhor em turmas de 30 alunos do que em turmas de 15? E aprendem melhor se tiverem de andar hora e meia de autocarro todos os dias entre a casa e a escola?», disse, a propósito, uma habitante de Baião. E outra: «se quiser ver crianças aqui vai ter que vir ao sábado ou ao domingo».
Baião é um município do distrito do Porto e aparece aqui como exemplo, o exemplo maior, porque ali serão fechadas 11 escolas. São 129 os municípios afectados com o encerramento de escolas. E, no mínimo, é perceptível que não há acordo sobre o fecho desses «estabelecimentos de ensino», eufemística forma de designar, simplesmente, as escolas, numa grande percentagem de concelhos. Pergunta-se: a decisão de encerrar escolas teve a ver com as pessoas, com as crianças, com a vida das famílias e o seu precário, já se sabe, bem estar, ou foi tomada, simplesmente, porque assim se poupam uns cêntimos?
A resposta não a dará o erro crasso que é o ministro Crato que, um dia, foi à escola e só aprendeu contas de subtrair, onde vigoram os números e se minoram vidas. Aliás, e tendo em conta o passado ideológico da figura, subtrair está mal escrito. Crato está, apenas, sem o menor dos pudores, a sub... trair.